O Genocida está inelegível por 8 anos após <julgamento do TSE> que o considerou culpado por inúmeros crimes eleitorais. Ainda é pouco, mas é um bom começo. Avante agora com os próximos passos no processo de responsabilização penal do líder da seita extremista que desgraçou o Brasil nos últimos anos. A bandeira segue sendo aquela que reverberou nas ruas nos atos de 9 de Janeiro de 2023, logo após a intentona golpista e depredatória que o gado bolsominion realizou na Praça dos 3 Poderes em 8/1: “Sem anistia e sem perdão, o povo quer Bozonazi na prisão!”
Arte por @wendellnarkedmi.
O ano de 2023 entrará para a História como aquele em que rolou uma reviravolta tremenda nos desrumos da nação que havia se jogado de cabeça no precipício desde o golpeachment de 2016. A derrubada desleal de Dilma empoderou Michel Golpista Temer, o Vampirão Neoliberal, e culminou com a ascensão do primeiro regime de extrema-direita que já tomou o poder federal na Nova República – “eleito”, entre muitas aspas, enquanto o candidato do PT estava injustamente encarcerado na Bastilha de Curitiba. A gente não esqueceu.
A vitória de Lula em 2022, apertada, suada, sofrida, resultou de ampla mobilização da sociedade civil organizada e representou um passo importantíssimo na reconstrução do todo estraçalhado e achincalhado Estado Democrático de Direito – aquilo que a Lava Jato em histeria antipetista e o Bolsonarismo em modo ódio-tóxico full time se esmeraram em estuprar.
Na real, uma figura como Bolsonaro estar inelegível em 2023 é digno de uma comemoração muito modesta: o fato de que este crápula pôde disputar a eleição de 2022 é uma anomalia tão gigantesca do sistema político que assusta. Nós tivemos uma eleição em que um genocida pôde ser candidato. É bizarro demais. Bizarro que não tenha perdido seu mandato após a catastrófica gestão da pandemia em que se fez responsável por dezenas de milhares de contaminações e mortes evitáveis. Bizarro que o capetão fascista que sabotou a vacinação, propagou remédio fake contra a covid, atacou o distanciamento social, fez pouco caso do sofrimento com seu escárnio paspalhão e seus “e daí?” truculentos, mesmo após uma Comissão de Inquérito Parlamentar sobre a pandemia ter escancarado sua irresponsabilidade criminosa, pôde estar nas urnas.
Psicopata carniceiro de alta periculosidade, Jair Bolsonaro não precisa apenas estar inelegível, precisar perder seus direitos políticos e passar detrás das grades o resto de seus dias depois de todos os malefícios que causou ao mundo. Seguiremos com toda a força dizendo a eles, os operadores da carnificina pandêmica, os promotores da fome em massa: não contem com nossa desmemória nem com nossa complacente leniência.
Diante das calamidades catastróficas que o bolsonarismo promoveu, seguiremos em marcha lutando por reparação histórica e pela devida punição dos serial killers da extrema-direita yankee-brazileira que tentaram tornar o Brasil um campo de escombros. Não esqueceremos os 700.000 mortos que foram a colheita sinistra do conluio entre pandemia e pandemônio, da cumplicidade entre coronavírus e Capitão Cloroquina & seus Pazuellos. Em meio à reconstrução, não esqueceremos dos destruidores. Seguimos em luta: é sem anistia, sem amnésia, sem indulgência, sem tchutchuquice com quem sempre nos tratou com a mais criminosa negligência necropolítica.
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O Recruta Zero
Tornar alguém inelegível é uma forma branda de banimento. Nas sociedades tradicionais, o banido era expulso da cidade, o que implicava perda de solo próprio, logo, um nomadismo infamante.
Sócrates, condenado pelo conselho de justiça, preferiu beber veneno a deixar Atenas. Hoje existe o exílio forçado por circunstâncias políticas, mas o banimento propriamente dito comporta atenuações jurídicas, como a temporária inelegibilidade eleitoral.
A pena cabível ao ex-presidente pode ser apenas um começo, tendo em vista a sua folha corrida de atentados à saúde pública e à normalidade republicana. Subsiste, porém, um problema de natureza ético-política: neutraliza-se agora a pessoa física, mas sua imagem deletéria continuará produzindo efeitos na vida pública. E isso é exatamente o desejável no âmbito de sua inserção partidária: espera-se que, zerado em termos competitivos, ele ganhe força como cabo eleitoral.
Não é fenômeno novo. Há toda uma história de lideranças como Vargas, Perón e outras que, fora do poder, continuavam a destilar efeitos ideológicos de caráter populista, amplificados por máquinas de propaganda partidárias e jornalísticas. Nessa crônica não costuma sobressair um rol tão extenso de imputações deploráveis, capaz de perfilar o político como figura penal. Este, no entanto, é o caso do ex-presidente.
Para eleger Maduro, Chávez, já morto, não virou propriamente cabo eleitoral, mas entidade do popular espiritismo venezuelano, cultuada e incorporada por devotos. Trata-se de um verdadeiro prodígio transpolítico: o chavismo não é nenhuma ideologia bolivariana, é uma seita. Apertar a mão de Maduro é entrar na corrente mediúnica.
Entre nós, apesar de toda a chantagem politiqueira em curso, vive-se agora um estado de coisas com razoabilidade econômica e alívio da tensão psicossocial: a nação escapou por um triz de mergulhar no inaturável. No balanço que se faz, porém, o saldo é tão ignominioso quanto preocupante.
Intriga a consciência de boa memória o fato de que o ex-presidente, embora extinto eleitoralmente, possa dispor do capital político exibido nas pesquisas. Notório pela inconsistência mental, ele surgiu como aberração num interregno político-social: um chupa-cabra de civilidade. Teria sido escolhido por isso mesmo, como o Recruta Zero dos quadrinhos, cujo horizonte era o moroso Sargento Tainha. No limite, um desaguadouro de virulência, influencer do vácuo.
Mas se espera que o zeramento jurídico-político não prejudique seus espelhamentos populares, os seguidores, ainda irradiados pelo bolsa-sadismo das redes sociais em que o passado tóxico cria futuro e pessoas adoecem. De fato, é tarefa tão árdua banir o peso de coisas mortas que elas terminam acumulando-se como capital político na miséria da dignidade civil.
Muniz Sodré
Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de “Pensar Nagô” e “Fascismo da Cor”
FSP 01.07.2023
Publicado em: 03/07/23
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
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